Alto índice de rejeição comprova que a Mina Guaíba não tem licença social para sua instalação em Eldorado do Sul
A grande maioria das pessoas que participaram das audiências públicas realizadas até o momento é contrária à Mina Guaíba. Das 274 manifestações da população nestas atividades e em consultas on-lines, 70% são contra a instalação da Mina Guaíba, empreendimento da empresa Copelmi no município de Eldorado do Sul, na região Metropolitana de Porto Alegre.
É isso o que aponta a análise das manifestações nas cinco audiências públicas sobre o empreendimento Mina Guaíba produzida pelos pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Pedro Luz (mestrando) e Rafael Kruter Flores, professor e pesquisador do Programa de Pós-graduação em Administração. No total, foram contabilizadas 274 manifestações. Destas, 191 são contrárias ao empreendimento, o que representa 70%; 47 são favoráveis, o que significa 17%; e 36 são indefinidas, 13%.

O professor Rafael Kruter Flores considera que a Mina Guaíba se trata de um projeto para explorar carvão mineral a céu aberto numa área de preservação ambiental, sensível ao abastecimento de água de Porto Alegre, com grande potencial de poluição atmosférica. “Ou seja, é praticamente uma aberração, no momento em que as discussões de ponta avançam na busca por matrizes energéticas alternativas. Isso pode explicar o alto número de rechaço”, pondera. Para ele, “o caso da Mina Guaíba demonstra que basta algum conhecimento (técnico) sobre o tema para se definir um posicionamento político de rechaço, já que estamos tratando de um projeto que é, de fato, muito difícil de defender”.
Foram analisadas cinco audiências públicas que ocorreram ao longo de 2019: duas promovidas pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) – uma em Charqueadas, em 14 de março, e outra em Eldorado do Sul, em 27 de junho -, a audiência realizada de forma conjunta entre o Ministério Público Estadual e o Federal no dia 20 de agosto, a realizada pela Prefeitura de Guaíba no dia 11 de julho, e a audiência pública da Assembleia Legislativa do RS do dia 30 de setembro. Além disso, também foram analisadas todas as manifestações realizadas no Sistema Online de Licenciamento Ambiental da Fepam.
Argumentos
Nas intervenções analisadas, o professor explica que os posicionamentos se fundamentam naquilo que o economista chileno Carlos Matus chamava de um cálculo tecnopolítico. Ou seja, não é apenas o critério técnico que preside os posicionamentos, até porque esse conhecimento técnico é restrito a uma pequena parcela da população. “O critério político é muito importante e mostra que algum conhecimento técnico existe mesmo naqueles sujeitos que não possuem formação técnica em determinada área”, declara.
De acordo com ele, as pessoas que têm algum conhecimento sobre o tema simplesmente não querem uma mina de carvão a céu aberto porque sabem que isso só vai lhes trazer prejuízos de várias ordens. Outro destaque que o professor faz é em relação à rica diversidade de argumentos nas intervenções contrárias à Mina Guaíba. “Há uma coesão entre aqueles que se posicionaram de maneira contrária. E os argumentos apresentados estão em distintas dimensões: econômica, ambiental, social e de saúde”.
“A essa riqueza argumentativa muito se deve à atuação não apenas do Comitê de Combate à Megamineração no RS, mas também às diversas entidades, organizações, movimentos, pesquisadores das mais diversas áreas que estão atuando no sentido de conscientizar a população sobre os riscos de tal empreendimento”, complementa o professor.
Apesar do alto índice de rejeição em instalar uma mineradora de carvão a céu aberto na grande Porto Alegre, é difícil prever como a Fepam – e demais órgãos competentes – irão lidar com isso. Já que não há obrigação legal em incorporar na decisão do órgão os posicionamentos da população nas audiências. O que existe, do ponto de vista legal, é uma obrigação em se realizar as audiências que, no entanto, possuem um caráter muito mais informativo do que consultivo, e nenhum caráter deliberativo.
Rafael lembra que em muitas manifestações contrárias à Mina Guaíba percebemos pedidos para que seja realizada audiência pública em Porto Alegre, já que é um município que está na área de impacto da mina. Até agora, a Fepam não realizou tal audiência.
Licença ambiental e licença social

“No nosso entender essa discussão é o cerne da questão: os limites do licenciamento ambiental para estabelecer um sistema democrático de decisão coletiva sobre os temas ambientais que são sempre relativos aos bens comuns. Veja, em um cenário extremo, nada impede que tenhamos 100% de manifestações contrárias no processo de licenciamento ambiental e o órgão concedendo licença ao empreendimento. É aqui que entramos na fronteira entre o licenciamento ambiental e a licença social”, salienta.
O licenciamento ambiental é um processo formalmente definido em lei e que obedece a critérios técnicos. Já a licença social é um conceito desenvolvido por empresas mineradoras que visam de forma estratégica conquistar licenças sociais para suas atividades que são inerentemente destrutivas. Segundo Rafael, a licença social pode ser visada nas estratégias corporativas, mas só pode ser concedida pelas comunidades, pela população envolvida.
“É possível e provável que a Copelmi monitore esses posicionamentos para buscar estratégias de conquistar a licença social necessária. Mas essa é uma licença que não tem um fluxo decisório definido, não é um documento, e por isso está muito mais nas mãos das próprias comunidades do que de qualquer aparato burocrático”.
Por fim, ele observa que a relevância deste estudo está em evidenciar que a Mina Guaíba não tem licença social para operar na região metropolitana. “Independentemente de qualquer decisão pretensamente técnica que venha a ser tomada pelo órgão licenciado”, afirma.
Texto: Jornalista Renata Machado
Edição: Jornalista Heverton Lacerda